Disse-lhes, pois, Jesus: Quando levantardes o Filho do homem,
então sabereis que Eu sou. (Jo 8:28)
Porque morrestes, e a vossa vida está oculta juntamente com
Cristo, em Deus. Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, então vós
também sereis manifestados com Ele, em glória. (Cl 3:3-4)
Pois nele foram criadas todas as cousas, nos céus e sobre a
terra, as visíveis e as invisíveis, sejam trono, sejam soberanias, quer
principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele é
antes de todas as cousas. Nele tudo subsiste. Ele é o cabeça do corpo, da
igreja. Ele é o principio, o primogênito entre os mortos, para em todas as
cousas ter a primazia, porque aprouve a Deus que nele residisse toda a
plenitude, e que, havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele
reconciliasse consigo mesmo todas as cousas, quer sobre a terra, quer nos céus.
(Cl 1:16-20)
O conceito e a petição do homem
A dádiva que recebemos da mão de Deus é Seu Filho, Jesus
Cristo. No entanto, bastante variada é a compreensão de muitos com respeito ao
Senhor Jesus. Se você me permite dizer, dentre os filhos de Deus alguns
consideram o Senhor Jesus como uma dádiva de Deus, enquanto que outros O
apreciam como a única dádiva de Deus. Alguns recebem o Senhor Jesus como sua
própria dádiva, pois crêem que há muitas dádivas além Dele - dádivas que podem
passar por milhares ou dezenas de milhares de números; enquanto que outros
confessam o Senhor Jesus como o dom de Deus, ou seja, Ele é o único dom de
Deus.
Muitos recebem o Senhor Jesus e são, então, salvos. Mais tarde,
porém, aprendem que ainda possuem muitas deficiências e necessidades. Alguns
podem descobrir que seu temperamento irascível persiste mesmo após serem salvos;
outros notam que seu orgulho os segue; enquanto outros percebem que sua covardia
permanece com eles.
Na experiência dos filhos de Deus é freqüentemente observado
que muitos, após terem sido salvos, perguntam, esperam, crêem e oram diante de
Deus com respeito a muitas dádivas, as quais eles recebem no devido tempo. E
eles numeram a Cristo entre as fileiras dessas muitas dádivas considerando-O
como umas das dádivas de Deus apesar de admitirem que Ele é o primeiro e Aquele
que vai à frente dos dons de Deus. É bastante surpreendente que notamos nossas
necessidades quando começamos a seguir ao Senhor. No entanto, não somos nós já
cristãos? Por que, então, deveríamos estar necessitados? No entanto é assim que
nos sentimos de fato. Somos novos cristãos mas com deficiências, elas não são
apropriadas, portanto nós lutamos para tratar com elas.
Nós oramos e esperamos, cremos e desejamos, e mais ainda,
obtemos o que necessitamos. E certamente sentimos bem quando vencemos nossa
deficiência especial. Nosso coração se regozija no fato de que obtivemos uma
dádiva.
Ora, neste tipo de situação muitos filhos de Deus compreendem o
dom e a graça de Deus, compreendem a graça de Deus como aquilo que reabastece a
nossa necessidade. Na verdade, um certo número de pessoas provavelmente dirá:
para o que mais é a graça de Deus, se não é para preencher a nossa falta? Eu
tenho aqui uma Bíblia com mil páginas. Está faltando a página que pede a Deus
para me reabastecer com Sua graça (se de fato existe tal página). Em outras
palavras, o que me falta são apenas pedaços, mas serei completo quando este
pedaço for preenchido. Algumas pessoas precisam de dez pedaços porque é disto
que têm falta. Meu amor pessoal é provavelmente quase perfeito, apesar de que
seria ainda melhor se um pouco de humildade e de paciência fossem adicionados.
Eu posso ainda precisar desses bocados, mas serei perfeito após eles serem
acrescentados. O conceito do homem é sempre uma questão de falta ou necessidade;
em conseqüência, ele geralmente pede a Deus por esse suprimento
especifico.
A situação é, portanto, como se segue. Todas as cousas nos
faltam e por elas pedimos; objetos que podem ser contados em números. Declaramos
que estamos em falta disto ou daquilo e que, se apenas Deus suprisse esta
necessidade, tudo ficaria bem conosco. Suponha que necessitamos de paciência.
Qual tipo de paciência exatamente nós esperamos ter? Nossos olhos raramente se
elevam aos céus buscando o nosso padrão; ao contrário; geralmente olhamos ao
nosso redor: "Que pena que não sou tão bom como fulano-de-tal! Ele é tão
paciente, enquanto eu sou tão genioso. Ele é tão gentil, enquanto que eu sou tão
orgulhoso. Gostaria que eu pudesse ser tão paciente e gentil como Ele é." Há
algum tempo atrás, sendo a primeira vez que orei após a minha salvação, pedi a
Deus que me desse uma Bíblia como a que certo irmão tinha. Freqüentemente nós só
conseguimos orar pelo que vemos concernente a outros. Somos incapazes de pedir
algo do céu que nunca vimos. Nós, portanto, oramos por paciência ou por
humildade, assim como as que uma certa pessoa possui. Já retratamos em nossa
mente o que é humildade ou paciência.
Posso te fazer uma pergunta conjectural? Você ficaria feliz se,
logo após crer no Senhor, Deus tomasse a paciência de uma certa pessoa e a
depositasse em você? Muito provavelmente você se consideraria perfeito e
plenamente satisfeito com tal adição.
Você vê a paciência como uma coisa, aquilo que outros possuem.
Uma vez que existe tal característica chamada paciência entre irmãos e irmãs,
você também deseja ter tal característica. Freqüentemente você passa a se odiar
porque foi mal compreendido por causa do mau gênio. Quão bom seria se você
apenas tivesse aquilo que outra pessoa tem. Por esta razão, muitos filhos de
Deus admiram a paciência como se ela fosse uma coisa; ou seja, eles anseiam por
algo assim como um temperamento controlado. Para eles, paciência é algo que Deus
tem, que algumas pessoas aqui na terra têm, mas eles não possuem. A sua
necessidade urgente é de terem a paciência adicionada a eles, fazendo-os assim
pessoas pacientes também. Aqui está a diferença básica entre um cristianismo
defeituoso e um cristianismo real. Muitos do povo de Deus buscam algo que parece
estar em todos os lugares, exceto em suas próprias vidas. Eles notam que uma
pessoa aqui, outra ali, e outra em algum lugar o tem, mas eles não. Eles buscam,
portanto, uma coisa, algo na terra. Tal é o conceito comum no cristianismo. As
pessoas perseguem então possuem algum item. Elas se alegram e ficam gratas por
aquela coisa que obtiveram.
Cristo Somente
O que muitos falham em reconhecer é que na esfera espiritual
nada há além de Cristo. Não há paciência, nem humildade, nem luz no mundo
espiritual; essas coisas não existem. É Cristo somente.
Em vista disso, precisamos ter mais operação de Deus em nossas
vidas. Quando somos salvos nos foi mostrado que o que necessitávamos era de
Cristo, não de obras. Fomos salvos através de Cristo, não de obras, Fomos salvos
através de Cristo e não por nossos esforços. Semelhantemente deveríamos ter uma
drástica e cabal revelação assim em nossas preocupações vigentes; ou seja, que
precisamos de Cristo, não de coisas. Assim como várias questões foram eliminadas
quando nós cremos, muito mais questões que devem ser totalmente naufragadas
hoje. Sendo que a única diferença é que o que foi destruído no início eram
pecados, enquanto que o que deve ser demolido posteriormente são coisas
espirituais. No início, o nosso orgulho, ciúme, vangloria, mau-gênio, ou algum
outro pecado foi destruído, hoje nossa paciência, humildade e auto estilo de
santidade devem também ser destruídos para que possamos entender que Cristo é a
nossa vida e o nosso tudo. Quão vastamente oposto é este cristianismo do
cristianismo que as pessoas geralmente concebem.
Um certo número de irmãos e irmãs sempre vêm conversar comigo e
me fazer várias perguntas. Você pode estar entre estes, os quais se consideram
melhores do que muitas outras pessoas, mas eu temo que você permaneça o mesmo
por toda a sua vida, porque o que você tem em si mesmo são apenas coisas. Com
respeito a paciência, você é muito paciente; com respeito a humildade, você é,
com certeza, bastante humilde; você é brilhante em realizar tarefas e muito bom
em sua conduta. Você ama e tem desejado sempre perdoar. De acordo com o padrão
do homem, em que outro lugar alguém pode encontrar um cristão bom assim? Mesmo
assim eu tenho que lhe dizer de frente que o que você tem em si mesmo são meras
coisas. Você tem que chegar a conclusão, diante de Deus, que o que é espiritual
não é uma coisa, mas é o Senhor Jesus Cristo. Não é aquilo que você tem, nem o
que você pode fazer, nem ainda o que você pode obter, mas somente o que Cristo
é. A não ser que Ele se torne aquela coisa em sua vida, nada mais é de qualquer
valor espiritual. No mundo espiritual, nada há senão Cristo, uma vez que Ele é o
tudo de Deus.
Cristo é a Vida
Seguindo as palavras "Eu sou o caminho e a verdade", O Senhor
continua com "e a vida". Estamos atentos ao fato de que a vida resulta
espontaneamente em trabalho, mas que o trabalho não pode ser um substituto da
vida. Temos que deixar bastante claro aqui que o trabalho não é vida - pois a
vida não requer esforço, a vida é o próprio Cristo. Como as pessoas labutam para
serem cristãs! Como ficamos esgotados por nos esforçarmos diariamente! Bastantes
severas são essas doutrinas, pois elas nos demandam ser humildes, gentis,
clementes e longânimos. Elas literalmente nos esgotam. Muitos admitem que ser um
cristão é uma difícil tarefa. Isto é verdadeiro especialmente para com os novos
crentes. Quanto mais eles tentam, mais difícil se torna. Havendo tentado por um
período de tempo, eles não apresentam qualquer semelhança com um cristão.
Irmãos, se Cristo não é vida, nós temos que fazer o trabalho; mas se Ele é vida,
então não precisamos pelejar. Repetidamente dizemos que a vida é o próprio
Cristo, e que o trabalho não pode substituir a própria vida.
Existe um grande erro difundido entre os filhos de Deus. Muitos
consideram a vida como algo que eles precisam produzir em sua própria força, ou
senão não há vida. O que todos nós deveríamos compreender é que se existe vida
não haverá a menor necessidade de nossa própria realização, mas essa vida fluirá
naturalmente. Considere por um momento como os nossos olhos vêm e nossos ouvidos
ouvem. Nossos olhos vêem bastante naturalmente e nossos ouvidos ouvem
espontaneamente porque existe vida neles. Temos que ter clareza neste ponto: a
vida flui naturalmente em serviço, mas o serviço nunca é um substituto para a
vida. Algumas vezes o serviço prova, ao contrário, ausência de vida ou fraqueza
de vida. A vida resultará em boa moral, mas a boa moral não é páreo para a vida.
Por exemplo, um irmão pode ser muito gentil, moderado e reservado. Alguém o
louvaria dizendo: "A vida deste irmão não é má." Não, ele usou a terminologia
errada. Pois o Senhor diz: "Eu sou a vida". Não importa o quão gentil, moderado
e reservado este irmão possa ser, se essas coisas não vêem de Cristo, elas não
são reconhecidas como sendo vida. É perfeitamente correto dizer que este homem
possui um bom temperamento ou que ele raramente causa qualquer problema, ou que
ele sempre trata as pessoas bondosamente e nunca briga; mas não pode ser dito
que ele tem uma vida espiritual rica. Se estas coisas são naturais para ele,
elas não são vida, pois elas não vêm de Cristo.
Outras pessoas abrigam outro pensamento. Elas concluem que a
vida é o poder. Ter o Senhor como nossa vida significa receber poder Dele para
fazer o bem. No entanto, Deus nos mostra que o nosso poder não é uma coisa, é
simplesmente Cristo. Nosso poder não é a força para realizar coisas, mas em vez
disso é uma Pessoa. Vida para nós não é apenas poder, mas também uma Pessoa. É
Cristo que manifestou a Si mesmo em nós, em vez de nós utilizarmos a Cristo para
exibir as nossas boas obras.
Certa vez um irmão que se reunia em determinado lugar foi
abordado por um cristão mais velho que lhe perguntou: "Por que você se reúne
lá?" "Porque lá há vida", ele respondeu. O mais velho disse: "É verdade, com
respeito a entusiasmos as nossas reuniões não são comparáveis àquele lugar".
"Você não entendeu", replicou este irmão. "Aquele lugar não tem uma atmosfera
agitada de forma alguma". "O que você quer dizer?", perguntou o irmão mais velho
"Como pode haver vida se não é fervorosa?" O irmão mais jovem respondeu: "não há
nada de barulhento ali, e no entanto há vida. Pois a vida não tem que ser
excitante emocionalmente, ou entusiasta ou ardorosa, ou barulhenta". Aquele
homem mais velho então filosofou: "Talvez os jovens gostem de fervor, mas eu
prefiro palavras profundas. Quando eu ouço palavras profundas, eu encontro vida.
Eu acho que isto é realmente vida". Mas o irmão jovem retornou: "Muitas vezes eu
tenho ouvido as palavras profundas às quais você se refere, mas não tenho
encontrado vida alguma". Queridos, da conversa desses dois homens, podemos ver
que a vida nem é uma agitação emocional, nem palavras profundas. Palavras de
sabedoria, ditos inteligentes, argumentos lógicos e dissertações meditativas não
são necessariamente vida.
Não é de se surpreender que alguém indague: "Quão estranho é
que a vida não é fervor nem pensamento animador. Onde, então, podemos encontrar
vida? O que é vida, afinal de contas?" Nós confessamos que não temos uma maneira
melhor de expressar este assunto de discurso de vida. Tudo o que podemos dizer é
que é algo mais profundo do que um pensamento. Uma vez que alguém a encontra,
instantaneamente será vivificado interiormente. Isto é chamado vida.
O que é vida? Vida é mais profundo do que pensamento; o
pensamento nunca supera a vida. Ela é também, mais profunda que a emoção; a
emoção é superficial em comparação a vida. Tanto o pensamento quanto a emoção
são algo relativamente externos. O que, então, é vida? O Senhor Jesus declarou:
"Eu sou a vida". Não deveríamos concluir apressadamente que encontramos vida
quando tudo o que encontramos foi um tipo de atmosfera fervorosa, tal como a
chamada atmosfera espiritual fervorosa. Em vez disso, deveríamos perguntar qual
a procedência de tal atmosfera. Bastante experiências confirmam para nós que
muitos que são hábeis na criação de atmosferas fervorosas conhecem muito pouco
do Senhor. Somente Cristo é vida, o resto não o é. Nós precisamos aprender a
lição de conhecer a vida. Pois a vida não depende de quão numerosos são os
nossos pensamentos; ela descansa exclusivamente no fato do Senhor manifestar a
Si próprio. Portanto, nada há mais importante do que conhecer o Senhor. À medida
em que O conhecemos, tocamos a vida. Nós temos que compreender diante de Deus o
significado de Cristo ser a nossa vida. Aqueles que ficam facilmente
entusiasmados ou que são excepcionalmente inteligentes, não são necessariamente
pessoas que conhecem ao Senhor. Para conhecê-Lo é necessário visão espiritual.
Tal visão é vida, e ela nos transforma. Se nós conhecemos o Senhor como nossa
vida, compreendemos a absoluta futilidade de todos os nossos esforços naturais
em questões espirituais. Portanto nós olhamos somente para Ele.
Quando cremos no Senhor, não compreendemos o que realmente
significa olharmos para Ele. Mas gradualmente vamos aprendendo a olhar para Ele,
havendo reconhecimento do que tudo depende de Cristo, e não de nós. No inicio de
nosso caminhar cristão desejávamos possuir uma coisa após outra; não
conseguíamos confiar Nele para todas as coisas. Após termos aprendido um
pouquinho mais, entretanto, recebemos algum entendimento quanto à necessidade de
confiarmos Nele; Não no sentido de crer que ele nos outorgará item após item,
mas no sentido de confiar que Ele fará o que somos incapazes de fazer por nós
mesmos. Quando nos convertemos, éramos inclinados a fazer tudo por nós mesmo,
temendo que as coisas nunca seriam feitas ou que as questões partiriam em
pedaços se nós não as resolvêssemos. Portanto, trabalhávamos o tempo todo. Mais
tarde, ao vermos que o Senhor é a nossa vida, conhecemos que tudo é de Cristo,
não de nós mesmos. Conseqüentemente aprendemos a descansar e olhar para
Ele.
Vamos guardar em mente que em vez de nos dar um objeto após
outro, Deus dá o Seu Filho para nós. Por causa disto, podemos sempre elevar
nossos corações e olhar para o Senhor, dizendo, "Senhor, Tu és o meu caminho;
Senhor, Tu és a minha verdade; Senhor, Tu és a minha vida. És Tu, Senhor, que
estás relacionado comigo, não as Tuas coisas". Possamos pedir a Deus para nos
dar graça para que possamos ver a Cristo em todas as coisas espirituais. Dia
após dia somos convencidos de que à parte de Cristo não há qualquer caminho, nem
verdade, nem vida. Quão facilmente nós fazemos das coisas como sendo o caminho,
a verdade e a vida. Ou, chamamos uma atmosfera fervorosa de vida, rotulamos um
pensamento lúcido como sendo vida. Consideramos uma emoção forte ou uma conduta
exterior como vida. Na realidade, entretanto, estas coisas não são vida. Temos
que compreender que somente o Senhor é a vida. Cristo é a nossa vida. E é o
Senhor quem vive está vida em nós. Peçamos a Ele para nos livrar de muitos
afazeres externos e fragmentados, para que possamos tocar apenas Nele. Que
possamos ver o Senhor em todas as coisas - caminho, verdade e vida são todos
encontrados em se conhecer a Ele. Que possamos realmente nos encontrarmos com o
filho de Deus e deixá-Lo viver em nós. Amém.
Autor: Watchman
Nee
Extraído da Revista, À Maturidade número 25, Verão de 1994.
Extraído da Revista, À Maturidade número 25, Verão de 1994.